queimo as mãos pelo futuro

Em Maio de 2013 fui ao então TMN Ao Vivo ver o Samuel Úria apresentar o “Grande Medo do Pequeno Mundo”. Vinha há um mês a desenrolar um novelo de músicos portugueses depois da tardia descoberta do primeiro disco a solo do Miguel Araújo. Nessa noite ou no dia seguinte, o Nuno Markl, que esteve presente nesse mesmo concerto, pôs qualquer coisa no facebook em que comparava o estado actual (de 2013, mind you) da música portuguesa com o boom do rock português. Dizia que nos anos 80 era demasiado novo para viver tudo aquilo, e que invejava quem agora tinha 20 anos e podia viver este novo “boom” bem de perto.

Acontece que tinha 19 anos e fiquei a matutar naquilo. Eu quando lia sobre o boom do rock português também ficava a sonhar com os concertos no Rock Rendez Vous e no quão incrível deve ter sido ver todas aquelas bandas, ir para o Frágil depois e dar de caras com o António Variações e tal (vá, a última parte já é culpa dos Filhos do Rock). Mas a questão é: eu tenho isso. Pronto, não tenho um RRV, mas tenho o Musicbox, o Sabotage, o Bons Sons e a D’Bandada. E sim, não tenho as multinacionais e uma indústria discográfica a lançar uma máquina de negócio que havia de chegar a níveis absurdos dali a uns anos, mas tenho a FlorCaveira e a Amor Fúria, a Pataca, a Cafetra, a Lovers & Lollypops. Entendem o que quero dizer? Tenho 22 anos e tenho a sorte de acompanhar de perto o melhor momento da música em Portugal. Não só a portuguesa, mas especialmente a portuguesa.

Porquê especialmente, perguntam vocês. Dizem que não é suposto acharmos que a música merece destaque só por ser portuguesa. Concordo. Mas não é só por ser portuguesa. É por ser portuguesa e ser boa. Fomos formatados durante muito tempo para acharmos que o que vem lá de fora é mil vezes melhor do que seja o que for que fazemos cá dentro. Então quando as coisas aparecem e são muito boas, o normal é ir logo comparar com qualquer coisa estrangeira e chegar à conclusão de que o camone é melhor. E no caso que me preocupa – o dos media – é especialmente difícil: porque o lá de fora tem mais promoção, passa na rádio, vai aos grandes festivais, tem x revistas estrangeiras a falar muito bem deles, logo, é sempre preferido. O tuga não tem nada disso. O tuga novinho e a aparecer não tem mesmo nada disso. Tem uns quantos blogs, um ou outro site de música, umas páginas de fb, e pouco mais. É difícil passar do passa palavra do grupinho que vai acompanhando os acontecimentos de perto.

Eu até podia vir aqui explicar-vos o que crescer a achar que só as coisas lá de fora é que são bem feitas fez à forma como me via a mim mesma e ao meu potencial como portuguesa. Ou como descobrir que há gente brilhante a fazer música incrível que vem do mesmo sítio que eu mudou drasticamente tudo isso. Mas isso não interessa porque, pelos vistos, o impacto que a música pode ter na mentalidade da juventude de um país é insignificante. O que importa é continuar a dar atenção ao que a industria impõe e ignorar qualquer manifestação alternativa, não é? Pois.

Podem rir-se desta minha irritação mas eu acredito mesmo que isto tudo merece atenção. E não digo que isso sejam menções pequenas uma vez de 2 em 2 anos. Digo acompanhamento, interesse, discussão. Acredito mesmo que é possível fazer a diferença e melhorar a situação. Não podemos estar dependentes de duas rádios (salvé Antena 3 e Vodafone FM, o que seria de nós sem vocês), tem de haver algo mais marcante que uns quantos sites e blogs (todo o respeito para os muitos que têm vindo a aparecer e a fazer mais e melhor do que muita imprensa “a sério”). É preciso qualquer coisa que tenha impacto, que não se afogue no oceano do online. Quiçá uma revista de música, conhecem alguma?

Isto é uma amostra de músicas/discos que já saíram este ano ou que estão quase aí. E sim, estamos em Março.

PAUS (disco “Mitra”, 12 de Fevereiro)

Salto (disco “Passeio das Virtudes”, 30 de Janeiro)

Linda Martini (disco “Sirumba”, 2 de Abril)

Jibóia (disco “Masala”, 8 de Fevereiro)

Minta & The Brook Trout (disco “Slow”, 26 de Fevereiro)

Golden Slumbers (disco “The New Messiah”, 15 de Fevereiro)

Sequin (EP “Eden”, 15 de Fevereiro)

Paraguaii (disco a 25 de Março)

Lotus Fever (disco em breve)

Filipe Sambado (disco “Vida Salgada”, 25 de Março)

C de Croché (disco “Thug Life”, 25 de Janeiro)

Peixe:avião (disco “Peso Morto”, 19 de Fevereiro)

Cais Sodré Funk Connection (disco “Soul, Sweat & Cut the Crap”, 26 de Fevereiro)

Marta Ren & The Groovelvets (disco “Stop Look Listen), 19 de Fevereiro)

Retimbrar (disco “Voa Pé”, 1 de Abril)

Deolinda (disco “Outras Histórias”, 19 Fevereiro)

Tiago Guillul (disco “Bairro Janeiro”, em breve)

Sensible Soccers (disco “Villa Soledad”, 1 de Março)

Isaura – novo single em Abril

Samuel Úria – novo disco (?) “quase a não tardar”

Sallim (disco “Isula”, 19 de Março)

Brass Wires Orchestra (disco “Icarus”, em breve)

Capitão Fausto (disco “Capitão Fausto têm os Dias Contados”, em breve)

Old Jerusalem (disco “A rose is a rose is a rose”, 11 de Março)

Filho da Mãe (disco “Mergulho”, 7 de Março)

 

Youthless (disco “This Glorious No Age”, 7 de Março)

Surma

Há uns tempos saiu uma bela compilação da Azul de Tróia, cujo título – que vem de uma canção d’Os (grandes) Capitães da Areia – e texto de apresentação resumem bem o que tenho tentado dizer.

Tenhamos a audácia de reconhecer que vivemos num país encantador. Portugal está a aprender e depende de quem cá está. Não podemos desistir de ser, por tudo aquilo a que a vida nos obriga. Valorizemo-nos. Há muito caminho a percorrer e percorrê-lo-emos a passo firme e lento, enquanto hasteamos a nossa cultura, procurando mais e participando activamente na educação musical e literária daqueles que nos rodeiam. A memória não pode mais ser curta e o que se faz por cá tem de ser firmado na terra. Não há vergonha em sonhar. Não tememos o ridículo nem a ambição. Existimos com brio, honestidade e distinção, entre o perigo da vertigem e os passos firmes da virtude. Essa mesma grande virtude que está no saber pular a cerca. Procuremos contornar os pesadelos, a fim de tocar no horizonte lá no fundo porque, se são muitos os dilemas sobre os quais nos deparamos, também há rios lindos para atravessar.

 

É bem possível que me tenham escapado coisas, principalmente de universos mais longínquos para mim (oi, hip hop), mas acho que percebem o que quero dizer. A música portuguesa merece mais vindo de nós, e já está na hora de deixarmos a condescendência de lado. Eu, como podem ver, ponho as mãos no fogo.

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